Influenciadores presos suspeitos de deformar pacientes diluíam medicamentos para aplicar em clientes e aumentar lucro, diz polícia
19/01/2025
Produtos adulterados e cirurgias até seis vezes mais baratas que o valor de mercado aumentavam a margem de lucro da clínica. Mais de 60 pessoas denunciaram o casal à Polícia Civil, que investiga o caso. Karine Gouveia e Paulo César, casal investigado pela Polícia Civil, Goiás
Reprodução/Redes Sociais
Os influenciadores Karine Gouveia e Paulo César Dias, presos suspeitos de deformar pacientes em clínica de estética em Goiânia, diluíam medicamentos para conseguir aplicar em mais clientes e aumentar a margem lucro. A informação foi confirmada pelo superintendente da Polícia Científica de Goiás, Ricardo Matos, durante entrevista ao Fantástico. Mais de 60 pessoas já denunciaram o estabelecimento.
“Eles vinham produzindo, adulterando, diluindo esses medicamentos para aplicação nos pacientes”, afirmou ao Fantástico.
✅ Clique e siga o canal do g1 GO no WhatsApp
A Polícia Civil divulgou que a clínica cobrava até seis vezes menos que o valor de mercado. Em depoimento à polícia, um dentista, que era um dos responsáveis técnicos pelo local e que realizava alguns do procedimentos, afirmou que a clínica cobrava R$ 5 mil para uma cirurgia de nariz. No mercado, um cirurgião-plástico cobra uma média de R$ 30 mil pelo procedimento, informou a polícia.
Ele ainda afirmou que aprendeu os procedimentos na prática, desde que começou a trabalhar no local e já ter realizado até oito procedimentos num único dia. Segundo a PC, o dentista relatou que o baixo custo dos procedimentos gerava uma alta demanda por atendimento. “Ele revelou que havia agendamentos com intervalos menores que uma hora, totalmente insuficientes para procedimentos cirúrgicos”, diz texto enviado pelo delegado Daniel Oliveira.
O casal, dono da clínica, foi preso no dia 18 de dezembro em uma operação policial que investiga a realização de procedimentos estéticos e cirúrgicos que causaram danos físicos e psicológicos a pacientes. Na última sexta-feira (17), os dois tiveram a prisão prorrogada por 30 dias pela Justiça de Goiás.
Em nota enviada ao g1, a defesa do casal, representado pelos advogados Romero Ferraz Filho, Tito Souza do Amaral e Caio Victor Lopes Tito, disse que acusações devem ser submetidas ao processo legal. "Não raras são as vezes em que a Polícia Civil (PC) acusa, mas que, ao fim do processo, a Justiça entende diferente", completam. A defesa ainda afirma que os investigados não foram ouvidos.
"As defesas dos investigados têm denunciado vários abusos e violação de direitos, no entanto, a Autoridade Policial tem se valido de uma prisão sem fundamento real que está sendo utilizada como instrumento de coação para promover investigação clandestina e fora dos parâmetros legais, manchando a credibilidade das instituições e colocando em xeque todo o processo. Independente dos fatos investigados, a sociedade civil precisa estar atenta para que casos como este não se tornem a regra: pessoas sendo condenadas sem julgamento e sem direito de defesa, afinal, não se pode tolerar um Estado que prende primeiro e pergunta depois. Uma investigação que perdura há mais de ano, até agora os investigados não foram ouvidos", disseram os advogados em nota.
LEIA TAMBÉM:
Decisão judicial: Influenciadores suspeitos de deformar pacientes são mantidos presos
O barato que sai caro: Clínica de influenciadores suspeitos de causar lesões em pacientes cobrava até seis vezes menos que o valor de mercado, diz polícia
'Sentia tirar a cartilagem:' Paciente relata erros e sequelas após procedimento estético em clínica investigada por deformar clientes
Relatos de pacientes
Imagens mostram lesões de paciente que fez lipo de papada, em Goiânia, Goiás
Reprodução/TV Anhanguera
Pacientes da clínica de Goiânia relataram erros e sequelas que sofreram após realizar procedimentos estéticos no local. Em entrevista ao Fantástico, o empresário Marcelo Santos deu detalhes sobre a realização do procedimento: “Fizeram raspagem e eu sentindo, acordado. Senti tirar pele, senti tirar cartilagem, senti raspar o osso”.
O empresário contou ao Fantástico que fez um procedimento para reduzir o tamanho do nariz. No entanto, a cirurgia não deu certo e ele chegou a fazer um segundo procedimento na mesma clínica para corrigir o erro. Além dos danos estéticos, o empresário disse que precisa de outros tratamentos de saúde para superar o trauma: “Eu não consigo dormir direito. Tive problemas mais fortes, depressão, ansiedade”.
“Hoje, para eu fazer minha cirurgia de correção, vai custar em torno de R$ 60 mil. Eu não tenho condições”, afirmou Marcelo.
A psicóloga Vânia Ribeiro também passou por procedimentos que não deram certo na Clínica Karine Gouveia. Ela investiu quase R$ 20 mil em uma harmonização facial, que incluia intervenções nas pálpebras inferiores, no "bigode chinês" (linhas de expressão que ficam entre o nariz e boca), nos lábios e no ângulo da mandíbula.
Esquerda - vítima de procedimento feito em clínica da infleunciados | Direita - Karine Gouveira e Paulo César
Reprodução/Redes Sociais
No entanto, ao invés de aplicarem ácido hialurônico conforme combinado com a psicóloga, ela recebeu óleo industrial no rosto. Exames realizados pela Polícia Científica de Goiás comprovaram a verdadeira composição do produto.
“Eu fiquei muito desesperada. Eu furei minhas pálpebras inferiores e apertei bastante para ver se o produto saía”, contou a psicóloga.
Uma outra paciente da clínica, que não quis se identificar, relatou ao Fantástico que pagou cerca de R$ 4,5 mil para realizar uma lipo de papada, e agora precisa conviver com cicatrizes e dor. “Quando eu olho no espelho, eu levo um choque. Movimentar o pescoço de um lado para o outro, repuxa. Para mim, abaixar, dói. Então, é doloroso até hoje”, afirmou a mulher.
Investigação
Imagens mostram momento em que Karine Gouveia é presa e itens são apreendidos na casa dela, em Goiânia, Goiás
Reprodução/TV Anhanguera
O delegado Daniel Oliveira afirmou que a investigação teve início em abril de 2024 após a primeira denúncia de uma paciente. Mais de 60 pessoas já procuraram a polícia para relatar sequelas e erros cometidos na Clínica Karine Gouveia. Há casos graves, como uma vítima que precisou ser entubada após sofrer a necrose no nariz; imagens são fortes (veja abaixo).
"Há vítimas que estão na fila do SUS para reparar os erros desses procedimentos. Além dessas lesões, que elas sofriam, a gente identificou que a presença de substâncias como PMMA e silicone, em procedimentos que só poderiam ser realizados por médicos cirurgiões plásticos", afirmou o delegado.
Vítimas de necrose após procedimentos estéticos em clínica da empresária Karine Gouveia, em Goiânia, Goiás
Divulgação/Polícia Civil
O casal é investigado pelos crimes de organização criminosa, lesão corporal gravíssima e estelionato. Os envolvidos tiveram as contas bancárias, bens e valores bloqueados. No total, são R$ 2,5 milhões apreendidos e um helicóptero avaliado em R$ 8 milhões. Karine Gouveia e o marido Paulo Cesar Dias Gonçalves foram presos no dia 14 de dezembro de 2024 e seguem detidos.
A dona da clínica não tem formação na área da saúde e o marido cuidava da parte administrativa do negócio. A polícia informou que a clínica atraía clientes com preços abaixo do mercado, por meio de um forte trabalho nas redes sociais, que contava até com a colaboração de famosos.
“Eu vi a repercussão que tinha clínica, as postagens, a quantidade de famosos, a quantidade de seguidores, a quantidade de pessoas elogiando... O valor foi interessante, mas o fundamental foi a extrema credibilidade que as postagens dela passavam", afirmou o empresário Marcelo Santos.
Procedimentos estéticos
Imagens mostram ferimentos em vítimas de procedimentos, Goiás
Reprodução/TV Anhanguera
A polícia informou que os procedimentos eram realizados sem condições adequadas. Os profissionais não tinham habilitação necessária para o manejo das substâncias usadas, e as instalações da clínica apresentavam problemas, como falta de esterilização e uso de bisturis cegos, mostrou a investigação.
As duas unidades da clínica em Goiânia e Anápolis foram fechadas pela Vigilância Sanitária em dezembro de 2024. Daniel Oliveira disse que os fiscais documentaram pelo menos 18 irregularidades durante as inspeções. A unidade de Anápolis sequer possuía alvará de licença sanitária e projeto arquitetônico aprovado pelo órgão sanitário competente para funcionar, apontou a PC.
Vídeo mostra momento em que Karine Gouveia é presa
📱 Veja outras notícias da região no g1 Goiás.
VÍDEOS: últimas notícias de Goiás